quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Corintiano

Cineclube O Contestado
Apresenta
O Corintiano
Dia:10/12/2010
Local: Colonia Escada
20:30hrs


Mais do que um filme sobre futebol, O corintiano é um filme sobre paixões arrebatadoras. Nesta 19ª obra estrelada por Mazzaropi, o eterno Jeca Tatu, o ator encarna o personagem Manuel, um barbeiro corintiano fanático, turrão e antipalmeirense, capaz de loucuras impensáveis, que incluem brigas, insultos e promessas a São Jorge ou a qual quer santo que lhe dê crédito. Dirigido por Milton Amaral em 1966, e divulgado como “uma comédia que agrada a todas as “torcidas”, o longa-metragem mostra como o futebol é a razão de viver de Manuel. Logo no início, ele ganha um burro preto-e-branco em uma rifa, e então começam as rixas com os vizinhos, os filhos e a mulher. Ninguém escapa do fanatismo de Manuel, especialmente os vizinhos de ascendência italiana — todos eles palmeirenses. O elenco inclui, além do comediante Totó, uma das torcedoras-símbolo do Corinthians, Dona Elisa. Em meio aos estereótipos das torcidas de futebol, que já provocam boas risadas, a atuação impagável de Mazzaropi vem carregada de informações sobre o futebol paulistano.
Tempo total aproximado do programa: 100 minutos.

Crítica

Paixão pelo futebol
Kleber Mendonça*

A montagem de abertura, construída em cima do jornalismo esportivo impresso, traz uma mensagem dos produtores de O corintiano, filme de Milton Amaral estrelado pelo mito brasileiro do cinema popular, Amácio Mazzaropi (1912-1981). O aviso esclarece que torcedores de todas as vocações religiosas são o objetivo do filme, e não apenas os corintianos titulares. Essa obra popular é uma joia a ser descoberta como parte do acervo de um cinema brasileiro que ainda hoje luta para estabelecer amplo diálogo com público e mercado.

O corintiano aborda a paixão nacional pelo futebol,mas sema pretensão formal de filmar o esporte. Capta, no entanto, o que seria a religião nacional do futebol, extremismo de tintas cômicas. O filme chega a colocar o candomblé, manifestação de fé religiosa, num patamar semelhante ao da febre de bola, e o faz com respeito e elegância.

Destaca-se nesta comédia eficaz não tanto o recurso das trapalhadas visuais (como quedas e tropeções, o humor que os norte-americanos chamam de slapstick), mas as “tiradas” entre um torcedor fanático e aqueles que o cercam (família, amigos, conhecidos, palmeirenses...). Seu Mané (Mazzaropi), dono de uma barbearia, é capaz de não cobrar nada caso o cliente apresente carteirinha de corintiano. Expulsa outro freguês aos tapas (palmeirense) e vê com desgosto o filho escolher a medicina, e não a carreira no futebol, como futuro.

Numa ponte passado-presente, O corintiano encontra algum espaço para diálogo com tinha de passe (2008), de Daniela Thomas e Walter Salles, no qual o futebol é a possibilidade de uma carreira profissional. Se no filme recente essa saída representa uma fuga desesperada da pobreza rumo à esperança, em O corintiano o futebol seria uma continuação da paixão de pais orgulhosos de seus times através dos filhos.

Investindo no aspecto familiar, Marisa, a filha de Mané, jovem bailarina clássica, terá de demonstrar seu valor para um pai que não gosta da ideia de ver a filha dançando. Para ele, Marisa ensaia para o “Teatro de Revista”. A única arte possível, porém, é a do futebol, e a única música “o hino do colosso”. Isso nos leva a um fator curioso. A popularidade de Mazzaropi, resultado de filmes vistos por milhões, foi construída em cima de um tipo rural, rústico, e de suas aventuras ao longo de 32 filmes, lançados entre 1952 e 1980, que tinham como base, em grande parte, o interior de São Paulo. Em O corintiano há uma quebra dessa sequência, uma vez que a história se passa na mesma São Paulo que, nomesmo ano, tinha sido tão bem filmada por Luiz Sérgio Person em São Paulo S.A. É possível ver na pequena aventura de costumes do longa-metragem uma São Paulo por volta de 1966, de Rurais Willys, Simcas Chambords e joaninhas da polícia, e onde os palmeirenses têm forte acento paulistano de ascendência italiana. A cidade parece fazer discreta frente ao puro radicalismo bronco de Seu Mané, que em um momento engraçado revela seu desprazer com críticas ao seu time num debate radiofônico. Além do teimoso rádio de pilha e da boa sequência de abertura com manchetes de jornal, diários e vespertinos pontuam todo o filme, com ótimo uso de signos populares tradutores do futebol.

Amaral, também roteirista, utiliza o futebol como crônica afetiva familiar que, ao final, levará a um acordo entre as partes, e à moderação de Mané. Perdura a sensação de um filme encantador na sua simplicidade, e que tem à frente um astro que domina não apenas como olhar,mas com uma língua afiada que em muito traduz o elemento brasileiro.

*Kleber Mendonça Cineasta, diretor do longa-metragem
Crítico e de premiados curtas-metragens,
como Eletrodoméstica, Vinil verde,
entre outros, além de crítico de cinema
do Jornal do Commercio (PE). Formado
em jornalismo pela Universidade
Federal de Pernambuco UFPE.

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