quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Olhos que são poetas

OLHOS QUE SÃO POETAS

                                  Rangel Alves da Costa*


Certa vez uma pessoa - que para o bem da humanidade e da cultura não era nenhum crítico literário - disse com a mais profunda razão que o verdadeiro poeta é aquele que não se importa em ser lido e a verdadeira poesia é aquela que é lida como se come farofa de ovo frito duas horas da manhã. O significado, e não a forma, é o que vai fazer a poesia ser saboreada com prazer.
Daí que aprendi que a poesia e os poetas acadêmicos, além dos formalismos insignificantes que procuram impor naquilo que pretendem como arte inteligente, não valem nada diante das palavras trabalhadas artesanalmente, no corte e recorte dos sentimentos, expressando com madeira e prego, madeira e talha, toda a beleza do que é rusticamente construído.
Daí outra certeza. E esta a veracidade maior: a poesia não é algo que possa ser construído por quem se diz ou se acha poeta, mas somente por aquele que tem sentimento. Mas não o sentimento de poeta, e sim o sentimento de compreensão do mundo; a beleza da admiração com as simples coisas e os simples gestos; a grandeza de amar a vida e a natureza, a manhã chuvosa, o galho que voa, o tijolo tostado nas labaredas de sangue.
De outra coisa tenho certeza, e esta vem como uma pergunta: alguém já viu escola de sentimentos, engajamento poético além dos sentimentos, tendência poética que não priorize sentimentos? E mais uma pergunta: será verdadeiro poeta aquele denominado de poeta da dor, da solidão ou da angústia?
Nem precisa responder, pois onde não há humildade, amplitude de sentimentos, contextualização de vida e morte, alegria e sofrimento, não haverá poesia. Somente haverá poesia se nos versos houver lugar para o vento que sopra, a terra que racha os pés, a guerra que muda a história, a mão estendida, o tapa na cara, pessoas se amando em qualquer lugar. Nisso tudo há amplitude de expressividade e não escola que defenda somente poesia da escuridão.
E ainda outra certeza delirante: a poesia é escrita também com o olhar e não somente com a pena. Ora, de muita valia será para o coração que sente poder enxergar o sentir. Daí que em todos os olhos e todos os olhares que miram a vida nas suas amplas feições e em cada aspecto deixam extravasar sentimentos, ali estará poesia.
A poesia do olhar nasce no ver, conhecer e sentir. Não precisa de folha de papel, de verso escrito, de rima, de estilo, de embelezamento, de nada. Basta ser olhar e ser compreensivo, se relacionar e dialogar com o motivo visto que já será poesia.
Assim, os olhos que se encantam com o entardecer estarão fazendo poesia; os olhos que choram diante de tantas situações desumanas e múltiplos sofrimentos estarão fazendo poesia; o olhar que olhar e vê no outro a angústia, a tristeza e o sofrimento está fazendo poesia; o olhar que olha um ser e se encanta e se apaixona está fazendo poesia; o olhar que se indigna com o que vê está fazendo poesia; o os olhos que dormem estão fazendo poesia no sonhar.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Corintiano

Cineclube O Contestado
Apresenta
O Corintiano
Dia:10/12/2010
Local: Colonia Escada
20:30hrs


Mais do que um filme sobre futebol, O corintiano é um filme sobre paixões arrebatadoras. Nesta 19ª obra estrelada por Mazzaropi, o eterno Jeca Tatu, o ator encarna o personagem Manuel, um barbeiro corintiano fanático, turrão e antipalmeirense, capaz de loucuras impensáveis, que incluem brigas, insultos e promessas a São Jorge ou a qual quer santo que lhe dê crédito. Dirigido por Milton Amaral em 1966, e divulgado como “uma comédia que agrada a todas as “torcidas”, o longa-metragem mostra como o futebol é a razão de viver de Manuel. Logo no início, ele ganha um burro preto-e-branco em uma rifa, e então começam as rixas com os vizinhos, os filhos e a mulher. Ninguém escapa do fanatismo de Manuel, especialmente os vizinhos de ascendência italiana — todos eles palmeirenses. O elenco inclui, além do comediante Totó, uma das torcedoras-símbolo do Corinthians, Dona Elisa. Em meio aos estereótipos das torcidas de futebol, que já provocam boas risadas, a atuação impagável de Mazzaropi vem carregada de informações sobre o futebol paulistano.
Tempo total aproximado do programa: 100 minutos.

Crítica

Paixão pelo futebol
Kleber Mendonça*

A montagem de abertura, construída em cima do jornalismo esportivo impresso, traz uma mensagem dos produtores de O corintiano, filme de Milton Amaral estrelado pelo mito brasileiro do cinema popular, Amácio Mazzaropi (1912-1981). O aviso esclarece que torcedores de todas as vocações religiosas são o objetivo do filme, e não apenas os corintianos titulares. Essa obra popular é uma joia a ser descoberta como parte do acervo de um cinema brasileiro que ainda hoje luta para estabelecer amplo diálogo com público e mercado.

O corintiano aborda a paixão nacional pelo futebol,mas sema pretensão formal de filmar o esporte. Capta, no entanto, o que seria a religião nacional do futebol, extremismo de tintas cômicas. O filme chega a colocar o candomblé, manifestação de fé religiosa, num patamar semelhante ao da febre de bola, e o faz com respeito e elegância.

Destaca-se nesta comédia eficaz não tanto o recurso das trapalhadas visuais (como quedas e tropeções, o humor que os norte-americanos chamam de slapstick), mas as “tiradas” entre um torcedor fanático e aqueles que o cercam (família, amigos, conhecidos, palmeirenses...). Seu Mané (Mazzaropi), dono de uma barbearia, é capaz de não cobrar nada caso o cliente apresente carteirinha de corintiano. Expulsa outro freguês aos tapas (palmeirense) e vê com desgosto o filho escolher a medicina, e não a carreira no futebol, como futuro.

Numa ponte passado-presente, O corintiano encontra algum espaço para diálogo com tinha de passe (2008), de Daniela Thomas e Walter Salles, no qual o futebol é a possibilidade de uma carreira profissional. Se no filme recente essa saída representa uma fuga desesperada da pobreza rumo à esperança, em O corintiano o futebol seria uma continuação da paixão de pais orgulhosos de seus times através dos filhos.

Investindo no aspecto familiar, Marisa, a filha de Mané, jovem bailarina clássica, terá de demonstrar seu valor para um pai que não gosta da ideia de ver a filha dançando. Para ele, Marisa ensaia para o “Teatro de Revista”. A única arte possível, porém, é a do futebol, e a única música “o hino do colosso”. Isso nos leva a um fator curioso. A popularidade de Mazzaropi, resultado de filmes vistos por milhões, foi construída em cima de um tipo rural, rústico, e de suas aventuras ao longo de 32 filmes, lançados entre 1952 e 1980, que tinham como base, em grande parte, o interior de São Paulo. Em O corintiano há uma quebra dessa sequência, uma vez que a história se passa na mesma São Paulo que, nomesmo ano, tinha sido tão bem filmada por Luiz Sérgio Person em São Paulo S.A. É possível ver na pequena aventura de costumes do longa-metragem uma São Paulo por volta de 1966, de Rurais Willys, Simcas Chambords e joaninhas da polícia, e onde os palmeirenses têm forte acento paulistano de ascendência italiana. A cidade parece fazer discreta frente ao puro radicalismo bronco de Seu Mané, que em um momento engraçado revela seu desprazer com críticas ao seu time num debate radiofônico. Além do teimoso rádio de pilha e da boa sequência de abertura com manchetes de jornal, diários e vespertinos pontuam todo o filme, com ótimo uso de signos populares tradutores do futebol.

Amaral, também roteirista, utiliza o futebol como crônica afetiva familiar que, ao final, levará a um acordo entre as partes, e à moderação de Mané. Perdura a sensação de um filme encantador na sua simplicidade, e que tem à frente um astro que domina não apenas como olhar,mas com uma língua afiada que em muito traduz o elemento brasileiro.

*Kleber Mendonça Cineasta, diretor do longa-metragem
Crítico e de premiados curtas-metragens,
como Eletrodoméstica, Vinil verde,
entre outros, além de crítico de cinema
do Jornal do Commercio (PE). Formado
em jornalismo pela Universidade
Federal de Pernambuco UFPE.

Cineclube O Contestado Apresenta:
Dia:18/12/2010
As 20:30 hrs
Filme: Castelo Ra-Tim-Bum
Local ainda a confirmar